IMPRENSA REGIONAL
Regionalização, Regionalismo e regionalismo
1. Um pouco por toda parte, está em discussão a organização administrativa do território, tendo em vista a procura das melhores soluções para o seu desenvolvimento. É uma nova fase da Regionalização do país. A nossa região não foge à regra, com uma importância acrescida por se encontrar cada vez mais fragilizada no contexto nacional, uma situação sobejamente conhecida por todos. E apresentam-se duas soluções alternativas – ou inserir-se na comunidade urbana do litoral, em torno dos polos de Coimbra e Figueira da Foz, uma zona bastante mais próspera mas na qual ficaremos diluídos e com uma reduzida voz activa, ou associar-se a um conjunto de concelhos vizinhos, dentro da zona do Pinhal, com os quais se tem fortes afinidades sociais e culturais e que permite cada um dos concelhos ter à partida, de acordo com o estipulado na lei, uma posição representativa e participativa nas decisões, em defesa dos seus próprios interesses. Qualquer das duas soluções terá vantagens e inconvenientes, havendo que ponderá-los na base do bom senso, mais com a cabeça do que com o coração. Trata-se de uma escolha que não pode deixar indiferente qualquer cidadão responsável que, por qualquer causa, se encontre ligado à região. Todos deverão fazer um esforço para informar-se, reflectir e fazer chegar as suas ideias a quem vai decidir, aos nossos autarcas, para que a opção se faça em consciência e não por interesses político-partidários. O concelho de Góis deverá em breve tomar uma decisão definitiva, com a especial responsabilidade que lhe advém da sua posição geográfica, no centro da região multimunicipal que se deseja formar um espaço contínuo. Têm vindo a público argumentos convincentes a favor da opção pelo associativismo entre municípios. A reunião havida na Casa do Concelho de Góis, no sábado passado, em boa hora promovida pela ADIBER, bastante participativa pelas Comissões de Melhoramentos, dando origem a um debate esclarecedor, pareceu não deixar dúvidas por uma clara preferência pela comunidade intermunicipal de alguns concelhos da zona do Pinhal. Com a agravante de o silêncio, que se nota por parte daqueles que defendem a ligação a Coimbra - Figueira da Foz, reforçar a ideia de que a sua opção não ter uma base de sustentação. Ao que sabemos, está-se agora dependente de uma resolução da Câmara Municipal, que terá que apresentar uma proposta à Assembleia Municipal para apreciação, discussão e decisão final. Em tempos idos, teria sido tomado uma determinada posição, mas agora, face à nova legislação e às novas perspectivas que se abrem para os concelhos pequenos, é óbvio que terá que ser reequacionada. Por isso, aguarda-se com expectativa que os vereadores a façam chegar sem demora à Assembleia Municipal. Está nas suas mãos (um deles esteve presente na reunião de Lisboa e terá ficado sensibilizado para o assunto) um primeiro passo para desencadear o processo. Esta escolha entre as duas alternativas, não será demais repeti-lo, é suficientemente importante para que não deixe de ser esclarecida e debatida de uma forma alargada, e não fique enclausurada no espaço camarário. O actual elenco da Câmara Municipal de Góis certamente não quererá ficar na história, por questões meramente pessoais ou disputas político-partidárias, como o grande obstáculo à escolha democrática de uma via para o desenvolvimento do concelho. A população não lhe perdoaria. 2. Esta divisão administrativa tem originado alguma confusão do papel dos obreiros do movimento regionalista que surgiu e se mantém na nossa pequena “região da Beira Serra” (designação afectiva de um espaço de contornos indefinidos, que alguns, por não a sentirem, teimam em não a aceitar, vá lá saber-se porquê) e lê-se mesmo, no calor na defesa dos seus argumentos, algumas referências pouco felizes. Confunde-se, umas vezes propositadamente, outras inconscientemente, Regionalismo e regionalismo. O Regionalismo, nome próprio, ligado a uma doutrina de identificação de regiões, com princípios e acções a favor do seu desenvolvimento e valorização, é um vocábulo usado na teoria sociológica e na prática política. Com ele se batem os defensores de regiões administrativas, por todo o país, pela Europa fora e noutros continentes. Por ele nos batemos nós agora pela formação ou não da comunidade intermunicipal do Pinhal, ou da comunidade urbana de Coimbra - Figueira da Foz. É um conceito técnico, frio, se quisermos materialista. Bem diferente é o nosso regionalismo, “nosso” da Beira Serra, um vocábulo utilizado e interiorizado pelos seus actores. E quem dentro dele não está inserido, dificilmente o compreende (como não compreende o que é a Beira Serra). Não vem nos dicionários. Porque o regionalismo, nome comum, é uma estrutura de sentimento, um estado de alma, intimamente ligado à comunidade de onde se é natural. Insere-se numa identidade cultural e não numa identidade política ou mesmo social. Por isso, o regionalista, na sua actividade própria, não se preocupa com o que se passa na aldeia vizinha da sua, e o concelho ou a região em que se encontra inserido só lhe interessa por aquilo que de bom trouxer para a sua aldeia. É apenas esta que o faz agir, que lhe transmite uma força anímica que o leva a associar-se com conterrâneos e em conjunto projectarem, sonharem e fazerem mover montanhas. Para o regionalista, a pertença à sua aldeia está acima de tudo. 3. Nada do que acima se diz é novidade, “todos” o sabem ou o sentem, faz parte do património cultural da Beira Serra. Por isso é com um certo desgosto que leio na imprensa regional clamar aos nossos regionalistas para abandonarem o seu egoísmo e colocarem os interesses da região acima dos da sua terra. Egoístas, os nossos regionalistas ?! Vejo incentivá-los a trocarem as batalhas que travam na defesa das suas aldeias, por onde passa a sua vida sentimental e familiar, pela da região (que mais não será do que a desenxabida e cinzenta “aldeia - global” criada pela globalização), ainda que na boa intenção de se poder alcançar uma melhor vida material. Ao seguir-se por essa via, está-se a matar pela raiz o nosso regionalismo, deixando vacilantes alguns espíritos menos precavidos. “Será que vale a pena continuar a lutar pela minha terra?”, desabava-me há dias um deles. Regionalismo e regionalismo podem e devem conviver. Como, da mesma maneira, em plataforma mais elevada, se é português e se olha pela Europa; associámo-nos com outros estados europeus, para se ter um melhor desenvolvimento, mas jamais com a intenção em diminuir a nossa luta pela pertença a Portugal. 4. Vamos todos ser Regionalistas, defendendo os interesses da nossa região, mas incentivemos e ajudemos os regionalistas da Beira Serra e as suas Comissões de Melhoramentos, no prosseguimento da sua bela obra, dedicando-se com grande amor às suas aldeias, às suas comunidades, por pequenas que elas sejam, por vezes até formada apenas de emigrantes. Os desafios que enfrentaram no passado foram enormes, como se sabe. Mas os presentes, com a vida moderna e sobretudo com a grande desertificação das nossas aldeias, não são nada menores. A Beira Serra bem precisa deles. Lisboa, 31 de Janeiro de 2004 |