IMPRENSA REGIONAL
Regionalismo goiense, século XXI
Palestra na Sessão Comemorativa do 50º aniversário da Comissão de Melhoramentos do Esporão, na Casa do Concelho de Góis, em 4 de Dezembro de 2005 O movimento regionalista do concelho de Góis, ocorrido no século XX, é bem conhecido de todos nós. A nossa memória colectiva tem sido enriquecida de uma maneira continuada por quem o tem vivido. E é salutar que prossigam esses testemunhos, pela palavra escrita e oral, porque a memória, frágil como é, precisa de ser exercida para se conservar.
Um dia se fará certamente a sua História numa retrospectiva mais distanciada. A memória colectiva e a memória histórica são duas faces que se completam: a primeira é espontânea, imprecisa, funda-se no sentimento e na emoção, a outra é sábia, rigorosa, assenta na razão. Muitos têm sido os que têm deixado relevantes marcas na imprensa regional ou em publicações suas. Entre eles, gostaria de citar dois, que serão sempre para nós duas referências. O jornalista e escritor António Lopes Machado, que ao longo dos tempos, de uma forma ininterrupta, nos tem transmitido a história factual, a partir dos seus conhecimentos e da sua própria vivência. E a Doutora Maria Beatriz Rocha Trindade, também sócia desta Casa, que, embora não envolvida directamente no movimento regionalista, o tem olhado do ponto de vista sociológico; ou não fosse o regionalismo um pequeno laboratório de análise social, a merecer a atenção dos especialistas. Permitam-me aqui também aludir um aspecto que a maioria dos analistas tem sub-estimado, uma diferença, subtil mas significativa, que distingue dois períodos no percurso do movimento regionalista: o antes e o após 25 de Abril. Referirei isso mais adiante. * * Quando se lê a imprensa regional dos anos setenta para cá, pós 25 de Abril, parece estar-se em presença de uma crise no movimento regionalista que, desde então, perdura até aos nossos dias. O regionalismo aparece-nos como que um doente que nem morre nem fica bom. Um doente que parece definhar, pouco a pouco, e a quem, de vez em quando, são ministradas umas vitaminas para o reanimar. Normalmente, não se aprecia o que temos de bom; só quando o mal nos bate à porta, é que damos valor ao que antes possuíamos. Todos temos uma ideia do que é o regionalismo e o que ele concretizou ao longo do tempo, a percorrer já o da terceira geração. Mas será oportuno trazer aqui à lembrança alguns aspectos, que têm tendência a ficar na penumbra da nossa memória. A actividade regionalista não é uniforme no espaço concelhio. Nem nunca o foi. Há colectividades de nível mais ou menos bom, mais ou menos regular ou sofrível, conforme os meios, materiais ou humanos, que possuem, havendo a registar, de permeio, algumas ilhas de excelência; bem como outras a definharem, por falta de líde-resou de pessoas na ocasião disponíveis (não apenas por falta de habitantes, pois povoações há com pouquíssimos residentes e com uma actividade regionalista muito interessante). Tiram-se por vezes conclusões erradas, não diferenciando a quantidade da qualidade. Não vejo agora uma qualidade menor em acções regionalistas do que há meio século atrás. A Comissão de Melhoramentos do Esporão é um caso bem elucidativo do muito bom do que se faz nos tempos de hoje, que nada fica a dever aos tempos idos (cito este exemplo por gentileza com esta colectividade, de quem sou hoje seu convidado e que está a viver este grande dia, o seu 50º aniversário, mas o mesmo se aplica a outras colectividades). Dizer que o movimento regionalista está em crise é uma generalidade injusta para com aquelas colectividades que estão em boa acti-vidade. A quantidade de actos regionalistas será menor, por força da desertificação e conse-quentemente menos pessoas envolvidas, do fortalecimento do Poder Local e da evolução do modo de viver. Mas não podemos inferir a qualidade pela quantidade. O regionalismo não tem que estar em constante movimento. Pode estar adormecido, e acordar, em qualquer altura, com novas acções ou funcionando apenas como espo-leta de um projecto local. Temos sempre uma tendência considerar e valorizar o visível, aquilo que os nossos olhos abarcam, as evidências que marcaram ou que marcam fisicamente a paisagem. Mas considerar apenas essa parte visível é redutor e é injusto. Porque subestimamos os pilares que suportam todo esse legado histórico. Quando, após o 25 de Abril, se começou a questionar a maior responsabilidade e obrigação do Poder Local na reali-zação dos melhoramentos públicos, arrastando consigo a ideia de que o campo de actuação das colectividades se restringia grandemente, não devemos esquecer alguns parâmetros, que não são de menor importância para o desenvolvimento do concelho: a- As colectividades constituem a guarda avançada da cultura popular, de uma cultura rural que não se perdeu. Cada aldeia contém em si uma microcultura, as suas tradições e os costumes locais, cujo somatório forma um mosaico que integra a identidade cultural do concelho. Numa terra onde há ainda uma forte convicção religiosa e a globalização não tem avançado demasiado, o regionalismo é uma resistência à massificação das culturas, ao emergir de uma cultura universal, traduzida na uniformização dos modos de vida (musical, relativa ao vestuário, à alimentação,...) Como muito recentemente nos lembrou José Saramago (e faço questão de aqui o citar, por ter pertencido ao movimento regionalista do nosso concelho, aquando da sua juventude, quando ocupou o lugar de secretário numa das nossas Comissões de Melhoramentos): “Há que transmitir a memória histórica. Senão, começa-se pelo esquecimento e acaba-se na indiferença”. b- Temos depois um segundo parâmetro: a motivação de pertença local. Neste mundo cada vez mais desterritorializado, as pessoas confrontam-se com o sentimento de estarem desenraizadas, pertencendo a espaços sucessivamente mais alargados. A maior facilidade de comunicações, sejam elas físicas ou virtuais, o computador, a universalidade da internet, a celeridade com que nos chegam as informações de todo o mundo, que entram na nossa vida quotidiana às catadupas mesmo sem as pedirmos, fazem com que a nossa pertença às terras de origem se torne cada vez mais enfraquecida. O regionalismo contraria essa tendência, reforça a criação, não apenas de solidariedades, mas também de vizinhanças na nossa terra natal. c- Por outro lado, e este será um terceiro parâmetro, o regionalismo dá voz ao povo. Sem as colectividades, os residentes vêm reduzidas as suas possibilidades de apre-sentar os seus anseios ou os seus protestos por aquilo que os prejudica, de concre-tizar grandes obras ou grandes eventos. Se não são as Comissões de Melhoramen-tos a defenderem a sociedade civil nas pequenas aldeias, quem a defende? d- Temos ainda um outro factor a não menosprezar. Estamos aqui a reflectir sobre o regionalismo da nossa terra, na sua expressão genuína: um estado de espírito e um modo de cidadania interiorizados simultaneamente. Um sentimento que, pela tradição, pelo muito realizado no passado, pelos sacrifícios que os nossos antepassados fizeram, pela recordação vivida, pelo património comum de histórias, funciona como uma bandeira que empolga as nossas almas e mantém a sociedade unida. É um laço que une espiritualmente as pessoas e que se traduz numa energia que está sempre latente. E nesse sentido o regionalismo consolida a ideia de concelho. A freguesia de Alvares, que constitui 39% da área do concelho, foi anexada apenas há um século e meio (fez no dia 24 de Outubro passado exactamente 150 anos), sendo pertinente questionar como teria sido a inserção desse espaço, que muito pouco tinha a ver com as terras de Góis e com as suas gentes, quer geograficamente, quer dos pontos de vista social, histórico e cultural, se não houvera o movimento regionalista. O regionalismo é o espírito que melhor pode enformar o concelho. Cultura popular, pertença local, voz representativa, unidade espiritual, são parâmetros sempre a considerar quando se avalia as potencialidades do regionalismo e a sua importância para o concelho. Vejamos agora a situação no concelho de Góis nos tempos de hoje. O regionalismo está passando por um momento que parece conter boas condições para se afirmar. a- Há um número significativo de pessoas de grande capacidade empreendedora, dinâmicas, instruídas, com os olhos postos no futuro. A maior parte são líderes de colectividades ou integram os seus corpos dirigentes, alguns deles jovens, não apenas no espírito, mas também na idade. Quem atente na actividade do movimento regionalista por todo o concelho, desde as alturas que nos separa de Arganil, com a novel colectividade do Açor a dar os seus primeiros passos, até ao extremo sul, nas vizinhanças com Pedrogão Grande, onde uma das mais antigas colectividades, a de Cortes, está a festejar os seus 75 anos, deparará com um conjunto de regionalistas entusiastas, que asseguram não ser nos tempos próximos que o ânimo do movimento regionalista irá esmorecer. b- Por outro lado, paira no ar um clima optimista. A isso não terá sido estranho o Encontro Regionalista realizado no ano passado, com uma reflexão interessante e bastante alargada. Bem como comemorações de aniversários bastante vivas, como foram as dos 75 anos da Comissão de Melhoramentos de Roda Cimeira e da Comissão de Melhoramentos de Cortes, as das Bodas de Ouro da Casa de Concelho e da Comissão de Melhoramentos do Esporão, e outras mais. Sente-se esse clima em artigos da imprensa, em publicações editadas, no movimento que passa por esta Casa (apesar de cada vez mais os regionalistas se reunirem nas suas aldeias, em detrimento de Lisboa), na participação das colectividades em eventos colectivos, em convívios e conversas informais da nossa vida quotidiana. Como escreveu recentemente um activo regionalista do sul do concelho, “o saudosismo começa a dar lugar ao planeamento e à clarificação de procedimento”. c- Em terceiro lugar, o apoio da Casa do Concelho. Com uma Direcção eficaz, empenhada e com grande sentido de responsabilidade, e assente em bons pilares, quer em espaço, quer do ponto de vista financeiro, a Casa oferece os meios logísticos adequados para o exercício regular da actividade regionalista. Saber que se tem uma boa retaguarda de apoio, é uma mais valia que não pode ser negligenciada. É na base deste contexto que é razoável poder-se afirmar que o regionalismo goiense tem as condições necessárias para não ser olhado como o tal doente fraquinho. Tem saúde para dar e vender. O regionalismo não pode e não está em declínio! Se me é permitido outra metáfora, mais do que um doente fraquinho, vejo o regionalismo (para além das tais ilhas de excelência ou muito boas) como uma Bela Adormecida. Uma Bela que é preciso acordar. Será também pertinente analisar as relações entre o regionalismo e o Poder Local. Antes do 25 de Abril, eram boas as relações entre a autarquia e o regionalismo. Havia uma espécie de concubinato, na base de amor e de interesse. Conjugavam-se para darem à luz melhoramentos e uma melhor vida aos seus habitantes. Defendiam os interesses em conjunto e em conjunto intercediam junto do Poder Central. Com o 25 de Abril, as autarquias obtiveram subitamente um grande poder, talvez demasiado ou deficientemente estruturado, que o próprio Estado tem tido dificuldade em sustar. Passou a haver uma excessiva centralização de poder personificado e daí alguma prepotência. A sociedade civil perdeu poder, identificando-se todo o poder com o poder político. E este passou a ver no regionalismo um concorrente que lhe faz sombra, que lhe diminui o papel de protagonista. Aliás, já antes do 25 de Abril, nem sempre o Poder Central o via com bons olhos. Alturas houve mesmo em que não autorizou que as colectividades se denominassem Comissões de Melhoramentos, porque isso incomodava o seu poder. A História repete-se, agora mais sofisticada por não se estar em ditadura. As Comissões de Melhoramentos trazem“melhoramentos” públicos para a sociedade, o que não será muito do agrado de quem tem que apresentar obra ou se reveja em glória pessoal. Por isso, ao longo do tempo, nas últimas décadas, o distanciamento entre o Poder Local e o regionalismo tem aumentado, mais acentuadamente nos últimos anos. Há muito que terminou o namoro, substituído agora por relações de circunstância ou de aparência fingidora. O diálogo praticamente não existe. Há contactos, sobretudo por parte do movimento regionalista quando vai bater à porta do Poder Local. Regionalismo e Poder Local são duas faces de uma moeda, que muito podia fortalecer o concelho. É um delito desvalorizar o papel actual do regionalista, pelo facto do surgimento de um Poder Local forte. Ambos têm um papel crucial na sociedade goiense. Em conjunto, podiam constituir uma força que tirasse o concelho do sub-desenvolvimento em que se encontra. Mas, infelizmente, isso não sucede. E só ganhamos em ter consciência desse facto. * * Na base de uma hipotética crise, muito se tem congeminado sobre o futuro do regionalismo. Principalmente, muito se clama sobre a actuação com o Poder Local. Que este devia ouvir as colectividades, como representantes que são das populações..., que se devia assumir que entre o Poder Local e o regionalismo há interdependências que são boas oportunidades para o desenvolvimento do concelho..., que entre eles devia haver uma maior solidariedade..., que ambos deviam trabalhar em rede... Trata-se de clichés de boas intenções, mas de uma retórica que obscurece a realidade, criando ilusões e adiando qualquer concertação entre as partes. É um erro pensar-se que, nas actuais circunstâncias, a situação poderá vir a alterar-se, nomeadamente pelo facto de os inquilinos do Poder Local poderem ser substituídos de 4 em 4 anos. Porque o problema não se põe tanto nos homens, mas no sistema. A questão põe-se a outros níveis, o dos interesses de cada uma das partes, Poder Local e regionalismo, que nem sempre são coincidentes, e o do facto de não se encontrarem em plano de equidade. Têm interesses diferentes, porque os principais autarcas, profissionais que são, trabalham a prazo e o seu principal objectivo é fazer e mostrar obra. Com uma clientela a satisfazer. Terminado o seu mandato, cumprida a tarefa, vão à sua vida. Pelo contrário, o regionalista, voluntário e voluntarioso por natureza, o que o faz mover é o amor à sua terra, ao que é seu e a que continuará sempre ligado, independente do cargo que ocupe ou que deixe de ocupar. Ninguém o remunera, nem alguém lhe pede obra feita. Não pode haver concertação, porque são duas classes de poder e legitimidade diferentes. O Poder Local assenta a sua força no voto popular e no poder financeiro, e o regionalismo assenta no voluntariado e na tradição. Para trabalhar em rede, é preciso equidade nas condições de trabalho. O regionalista precisa de ter força e de ser reconhecido como parceiro social. Caso contrário, é uma utopia insistir-se em diálogo construtivo. Não olho para o problema como se o Poder Local fosse o mau da fita. Os autarcas estão inseridos no sistema e cumprem o seu papel. Devemos pensar que talvez os problemas existam por uma consequência do que não é feito pelos regionalistas. O movimento regionalista carece de actualização, face às novas realidades sociais e políticas. O mundo mudou imenso nos últimos 30 anos. Estamos num mundo especializado e apressado, onde se perdeu a ideia de que é necessária a existência de formulas sociais na vida colectiva de todos nós. O mundo mudou e o concelho também. Um concelho onde a diminuição da população se fez sobretudo nas pequenas aldeias serranas (a vila de Góis, onde o movimento regionalista é em parte desconhecido e na outra parte mal amado, a população do concelho passou, nestes últimos 50 anos, de 6% para 20%; Góis em conjunto com Vila Nova do Ceira concentra agora 30%, contra 11% em meados do século passado); um concelho onde nas principais terras não existem elites, sejam elas políticas, sociais ou culturais (elite, no sentido salutar da palavra, o escol com obrigações no conhecimento e na preservação dos valores éticos e morais, e donde su-postamente deviam sair os que assumem as posições de maior responsabilidade na sociedade); um concelho onde grande parte da classe média alta (como médicos, professores, técnicos superiores, industriais e outros) está radicada no seu exterior. A sociedade é outra, as circunstâncias alteraram-se e estão em constante mutação. Não se pode continuar como nos tempos antigos. Não estou a negar a História, os grandes homens e o tudo de extraordinário que foi feito, mas o regionalismo tem que evoluir. Passar de artesão a artista, da imitação à criação de algo de novo. Este é um momento apropriado, pelas condições atrás referidas, em que o movimento regionalista está com mais força anímica. Mas é também aquele em que a sociedade mais precisa, se olharmos para a crise social que a atravessa, nomeadamente no concelho de Góis, onde ela se vem agravando de ano para ano. Uma sociedade que necessita que a ajudem a formar uma consciência cívica. Que caminhos poderão ser seguidos, é certamente uma questão pertinente. Aqui tem-se que partir de uma outra: que atitude se quer tomar, a de se deixar levar pelos ventos que sopram, embora prosseguindo numa atitude digna de resistência ao sistema, ou a de navegar, reorientando-se a rota? No primeiro caso, pode-se (e deve-se) ligar alguns despertadores para melhor acordar a nossa Bela. O Encontro Regionalista do ano passado é uma extraordinária bolsa de valores, repleta de ideias e de sugestões, que devia merecer de todos os regionalistas uma leitura periódica. Mas há um outro caminho: a tomada de uma atitude de afirmação na sociedade. O Poder Local, para actuar democraticamente, deve estar confrontado com outro poder, o da sociedade civil. E o regionalismo pode ocupar esse lugar, assumindo-se como um parceiro político. Sei que existe o preconceito da política, parecendo haver uma ligação sacrílega entre regionalismo e política. Aqui quando falo de política, faço-o não no sentido de conquista do poder, ou seja, não estou associá-la à luta pelo poder para governar. É a política no seu sentido mais nobre, no conceito aristotélico, em que a política nada mais é do que a ética social, o fruto de exercício das virtudes cívicas. O regionalista não desejará a luta pelo poder dos autarcas, quer apenas ser reconhecido pelo papel que tem na sociedade. Não se entrar na política, hoje em dia, é castrar o regionalismo. Aliás, antes do 25 de Abril o regionalismo tinha uma tónica política relevante. O que era defender os interesses da nossa região, senão fazer política? O que era erguer a voz exigindo benfeitorias ou justiça para a sua terra, senão actuar politicamente? O que era não se acomodar, incomodando o Poder Central, senão um acto político? Depois da Revolução, houve uma renúncia à participação activa na política. Pela razão do poder ter passado do Terreiro do Paço para o local. De um modo geral, as colectividades passaram a girar à volta do Poder Local, aparecendo este como um polvo, com os seus tentáculos protectores. A partir daí, entrou-se numa época da resignação. O regionalismo tem que se afirmar de cariz político, como o foi antes do 25 de Abril. Para ajudar a sociedade. Para ser o contraponto da classe política. Para isso, o regionalismo necessita de um espaço de afirmação. Lembre-se a falta que há de um espaço público na nossa sociedade civil. Um lugar, não apenas de expres-são individual, mas também colectiva. A Assembleia Municipal, que poderia ser, não o é, por culpa da sua própria natureza e da sua regulamentação. Há ausência de um espaço de transmissão de conhecimentos e de discussão. E o regionalismo pode ocupar esse espaço. Como ir ao encontro desse espaço? Porque não criar-se uma Associação cívica, com a participação das colectividades, que defenda os interesses do conjunto das suas terras? Uma Associação com fins bem determinados, reconhecida oficialmente. Como vemos em regiões de outros países europeus. Sei que houve em tempos, e por mais de uma vez, essa vontade, que, por razões circunstanciais, não vingou. Mas os tempos agora são outros e não devemos aferir as dificuldades actuais pelas passadas. Porque não iniciar-se em torno de um grupo pioneiro, aquelas colectividades que tenham mais vontade e meios humanos disponí-veis, e às quais as restantes podiam juntar-se mais tarde? E abrir as portas a cidadãos que, a título pessoal, queiram também aderir? Uma Associação a funcionar não de oposição, mas de pressão, na base da discussão, da informação e da cooperação. Da cooperação com o poder político e com outras associações de âmbito concelhio, como a ADIBER, a dos bombeiros, florestal e outras. O regionalismo, para ser um parceiro social, necessita de ter força e legitimidadedemocrática. A força ser-lhe-ia dada pela união de esforços, pelo associativismo: ela conquista-se, ninguém a dá de borla. A legitimidade democrática ser-lhe-ia dada pelo voto popular: aos residentes das aldeias deveria ser solicitado para se pronunciarem sobre a sua representatividade nas Comissões de Melhoramentos, as quais, por sua vez, elegiam a Associação. E, assim, legitimado e com força, pode então estabelecer-se uma relação construtiva com o Poder Local. Do encontro das duas partes legitimadas, regionalismo e Poder Local, sustentadas pelo voto popular, na base aliás do mesmo povo, resultaria um equilíbrio sustentável. E uma via para uma verdadeira democracia. Seria um novo ciclo que se abria na vida das colectividades, atraindo os mais novos (os jovens que não entendem bem o esforço actualmente feito pelas colectividades) e deixar campo aberto para as gerações futuras, as do século XXI. Seja qual for o caminho escolhido, o importante é a participação dos regionalistas na vida política do concelho. E de uma maneira forte e legitimada. Penso ser uma perspectiva que vale a pena começar a ser debatida. Duas notas complementares: - Diferente desta Associação é o Conselho Regional, um órgão estabelecido nos estatutos desta Casa, órgão de consulta e de estudos, não eleito pelas colectividades, e por isso sem poder representativo ou de decisão. E muito menos, naturalmente, a própria Casa do Concelho. - O que se apresenta é uma estratégia que se traduz no alargamento do campo de actuação das colectividades, mas sem qualquer diminuição ou influência na obra que cada uma realiza na sua aldeia. Esta nova actividade sugerida é de complementaridade e jamais de substituição ou de conversão. Sabemos bem que a força do regionalismo vem do amor ao pequeno quinhão natal (se quiserem, chamem-lhe bairrismo, com toda a carga depreciativa, que por vezes injustamente se lhe associa) e não à divisão administrativa de patamar superior, seja ela, concelho, distrito, nação ou comunidade europeia. * * Quis aqui deixar uma reflexão sobre o regionalismo goiense no momento actual. A sua força, a sua potencialidade para o amanhã. E também ajudar a deitar fora algum pessimismo, antes que ele próprio se converta numa daquelas profecias que se cumprem por si próprias. |