IMPRENSA REGIONAL
O Varzeense (1992 ?)
Carta aberta a Dr. José Cabeças
A imagem do nosso concelho Sr. Dr. José Cabeças,
A entrevista que deu recentemente a um jornal da região não me pode deixar indiferente. Sou atacado pessoalmente e é transmitida uma imagem distorcida da minha terra, ainda que provavelmente, concedo-lhe o benefício da dúvida, o tenha feito involuntariamente. Eu explico: 1- Afirma-se a certa altura que a oposição feita ao Polo Industrial de Góis entravou a sua execução. É do domínio público que fui eu (acompanhado pelo meu colega sr. José Matos Cruz) que me manifestei contra aquilo que se pretendia fazer. E não se conhecendo mais alguém que o tenha feito, o visado da sua entrevista é naturalmente a minha pessoa. A posição que tomei não foi de discordância com o apoio que a Câmara deveria dar ao desenvolvimento da indústria do concelho (não passará tal coisa pela cabeça de uma pessoa minimamente sensata e conhecendo a minha actividade), mas apenas com o modo de o fazer. Não foi a nossa posição que fez do Polo Industrial um projecto precário e enredado, como é do conhecimento público. Desde a redução dos edifícios, os elevados aumentos do custo, os enormes atrasos, até ao desinteresse dos investidores (as empresas até agora instaladas nos novos pavilhões já laboravam no concelho, praticamente com o mesmo número de postos, mais um, menos um), tudo isso foi consequência da opção feita pela Câmara, certamente uma das mais infelizes dos últimos anos. E sobretudo verificou-se um deficiente aproveitamento dos dinheiros do Estado e da CEE, numa altura muito importante para o concelho, já que, devido à grande crise mundial da indústria do papel que tem levado ao encerramento de centenas de fábricas, era preciso criar boas condições estruturais que fossem atractivas para instalação de novas indústrias e criação de novos postos de trabalho. A minha actuação, bem como a do meu colega, foi no sentido de que não se viesse a verificar aquilo que, segundo a nossa opinião, era manifestamente prejudicial aos interesses do concelho. Foi para isso que fomos eleitos pela população e não para dizer amen. Ainda conseguimos convencer pela nossa argumentação e firmeza (não temos força política quantitativa na Câmara, como sabe) que fossem alterados alguns pontos, beneficiando o projecto, mas infelizmente não todos aqueles que evitassem o que veio a acontecer. O futuro veio dar-nos razão, como é reconhecido por todos os goienses que mais de perto têm acompanhado o projecto. Com certeza que o Dr. Cabeças não se encontra mal informado e conhece toda a história, já que, pela sua posição de Presidente da Assembleia Municipal, tem essa obrigação. E longe de mim pensar que faz declarações falsas para tirar efeitos eleitoralistas ou quaisquer outros. Trata-se certamente de uma infeliz interpretação das suas palavras por quem o entrevistou. Mas reponha-se a verdade. 2- As suas afirmações sobre o mau nome de Góis, insinuando que só com a gestão do actual Presidente da Câmara se limpou o nome da nossa terra, ferem qualquer goiense. Tendo o Dr. Cabeças vindo há relativamente pouco tempo para o nosso concelho, é natural que pouco conheça da sua história e do seu passado. Orgulhamo-nos muito da nossa terra e temos consideração pelos autarcas e outras figuras públicas que lutaram pelo seu desenvolvimento. O concelho de Elvas (julgo que o senhor é de lá) teve e tem com certeza criminosos, oportunistas, espertalhaços e por aí fora, mas isso não obsta que todos nós respeitemos e consideremos aquela bela região. Se houve aqui coisas mal feitas, jamais foi posto em causa o bom nome de Góis. Da mesma maneira que uma andorinha não faz a primavera, também a chuva não é sinónimo de borrasca. 3-Tem-se continuado a bater a tecla de que o Poder Central está de costas voltadas para o nosso concelho. Um jovem meu amigo, por sinal de boa formação escolar, muito interessado em aqui se instalar, questionava-me sobre esse assunto, se de facto os outros concelhos são mais favorecidos e portanto mais atractivos para lá se iniciar a vida. Ao ler a sua entrevista, ele até tem razão para pensar duas vezes. E, como ele, quantos empresários e potenciais investidores (o senhor e eu conhecemos alguns nessas condições) se interrogam sobre o risco de se instalarem no nosso concelho? Mas agora vai-se mais longe, quando deixa entender (o que oiço pela primeira vez) que a sociedade civil não estaria também virada para nós. É uma insinuação, que proferida por quem tem as maiores responsabilidades no concelho, não deveria ficar no ar, sem qualquer explicação. Temos o direito de estar informados do que se passa. Quem está de facto contra? Será a Associação Nacional dos Bombeiros? A Federação Portuguesa de Futebol? A Ordem dos Médicos? Ainda não há muito tempo que era constante a tónica posta nos discursos oficiais de que Góis tinha poucas potencialidades e capacidades e parecia estar condenada a um subdesenvolvimento. As "Jornadas sobre as Potencialidades do Concelho de Góis", organizadas pela AERG, trazendo aqui vozes autorizadas na matéria e reactivando o diálogo entre os goienses, vieram dar um bom safanão e fizeram acordar muita gente. É com regozijo que vejo agora no seu discurso um ar optimista sobre as nossas potencialidades. Mas penso que é também chegado o momento de se fazer o mesmo em relação à perspectiva global do concelho. À força de se dizer que o Poder Central (e agora até a própria sociedade civil!) está contra Góis, gerou-se um clima de descrédito e de desconfiança. O investimento, o gosto pelo risco, o desejo de lançar projectos novos dependem da confiança e do estado de espírito. Aumentam quando há optimismo e um bom ambiente, e definham quando não se os têm. Vem nos livros e é assim na prática, como sabe. Por alguma razão temos assistido nos últimos anos a goienses aplicarem as suas economias e feito investimentos na Lousã, Pedrogão, Poiares, Arganil, para já não referir outras terras mais distantes. Há que fazer um esforço para inverter esta visão deformada que se continua a dar ao nosso concelho. Não só as suas potencialidades são muitas, como terá, à semelhança das demais terras do País, o apoio das entidades oficiais e civis, se soubermos apresentar projectos credíveis, bem feitos e com pés para andar. Mas para isso há que transmitir também a verdadeira imagem do concelho. 4-Quero deixar bem claro que eu não estou interessado, directamente, nas próximas eleições autárquicas. Por razões da minha vida particular, e como sabem os meus amigos mais próximos, não me incluo no rol dos candidatos a Presidente da Câmara, contrariamente ao que o senhor, e com todo o direito, deixa antever para si próprio. Estas linhas não têm pois outra finalidade que não seja o que elas mesmo transmitem. Mas certamente que compreende que não devia ficar calado. Os goiense que aqui vivem, que aqui têm os seus haveres e aqui investem os seus cabedais, sentem na carne o que os outros – aqueles que vivem fora, nada aqui têm e aqui nada investem – menos sentem. Badalar o fado da desgraçadinha, referindo-se a goienses que estão a entravar o desenvolvimento, ao mau nome da terra, ao desinteresse das autoridades oficiais e civis pelo nosso concelho, não nos ajuda absolutamente nada. É que, apesar de estarmos em 1992, ainda há muito boa gente distraída que acredita em coisas dessas. Penso que o senhor está de acordo comigo e que a sua entrevista, nos termos em que ela é apresentada, merecia estas observações complementares. Por isso e pela consideração que me merece o alto cargo que ocupa, aceite os meus cumprimentos e os desejos de uma boa saúde. João Nogueira Ramos |